domingo, 9 de maio de 2010

Nós e Outros Animais

Nem sempre lembramos que nós humanos fazemos parte do mundo animal. O que nos faz diferentes do resto dos outros animais? Essa é uma questão antiga que tentamos solucionar antes mesmo da Teoria da Evolução, postulada por Darwin.

No período do pós-guerra fomos classificados como "ferramenteiros" e isso respondia à questão, mas em seguida, na década de 60, foram feitos estudos que observaram esse aspecto nas sociedades de chimpanzés. Os chimpanzés usavam varas que serviam para apanhar cupins (alimento apreciado por eles) como se estivessem pescando. A definição Ferramenteiro já não nos diferenciava. Isso apontou, então, o fato do homem se organizar para caçar, o que também ocorre em diversas sociedades de animais carnívoros.

Tomasello é um dos pesquisadores que investiga os aspectos que nos diferenciam dos outros animais. Seu trabalho explora os aspectos sócio-cognitivos que formam a base da sociabilidade humana. Ele é co-diretor do Instituto Max Planck em Antropologia Evolutiva, e chefe do Departamento de Desenvolvimento e Psicologia Comparada na Alemanha. Nas últimas duas décadas, Tomasello e seus colaboradores desenvolveram pesquisas que identificaram os processos cognitivos e culturais que distinguem o Homem dos outros animais através da comparação com seus parentes vivos mais próximos, os chimpanzés. Os pesquisadores usaram conceitos da Antropologia, ciência que estuda o homem e sua totalidade, e conceitos de Comportamento animal, uma das ciências dentro do vasto leque das Ciências Biológicas. Tomasello observou no comportamento humano alguns parâmetros que poderiam ser a chave para a diferenciação dos outros animais como por exemplo o comportamento de cooperação, que foi observado em bebês humanos e chimpanzés jovens.

A cooperação é um fenômeno estudado por Biólogos, Psicólogos, Antropólogos, Filósofos, etc. A Biologia Evolutiva interpreta o fenômeno da cooperação como um comportamento em que um indivíduo interage de forma ativa gerando benefício a outro(s) individuo(s). A cooperação ocorre em diversos sistemas biológicos, podendo ser vista do nível molecular aos organismos complexos.

Através da análise do comportamento de crianças humanas, Tomasello afirma que nossa espécie é fundamentalmente cooperativa. O experimento era feito com dois indivíduos e consistia em colocar longe do primeiro sujeito um objeto e ver se o segundo sujeito entregava-o ao sujeito um. Com crianças o objeto escolhido foi um lápis. No experimento, essas crianças eram colocadas em uma sala para escrever uma carta e após certo tempo era retirado o lápis de seu alcance, então uma segunda criança era observada diante daquela situação. As opções era colaborar com o outro ou ignorar. No caso dos chimpanzés, ao invés do lápis, o objeto utilizado era uma vareta, ao qual o animal tem mais apreço, e da mesma forma era retirado de seu alcance e observava o comportamento do outro chimpanzé. A grande maioria das crianças pegava o lápis e o entregava à outra criança, já no caso dos chimpanzés a situação era outra: ou o segundo animal ignorava o primeiro ou acontecia brigas acirradas por causa da vareta.
Yamamoto, outro cientista que investiga o fenômeno da cooperação  demonstra que os chimpanzés são mais aptos a cooperarem entre si quando recebem pedido de ajuda. Quando o indivíduo que necessitava de ajuda se comunicava, fazendo o pedido por socorro, a cooperação chegou a níveis de 75%. Em indivíduos aparentados essa cooperação era de aproximadamente 85% dos casos. Em contraste com os seres humanos, sugere que os chimpanzés raramente realizam atos  voluntário. A falta de cooperação nos Chimpanzés pode ser explicada pelo ambiente competitivo em que vivem, sendo que desde cedo eles estão habituados a procurar comida e competir com outros caso estejam ameaçados de alguma forma.

Michael Tomasello explora os aspectos sócio-cognitivos que formam a base da sociabilidade do ser humano.  Através de seus estudos, a mensagem chave é que os seres humanos são fundamentalmente cooperativos. Esta atitude cooperativa poderá se corromper durante o desenvolvimento do indivíduo na sociedade humana. Mas o ponto central para Tomasello é a presença deste instinto cooperativo, sendo esta característica que nos diferencia dos nossos parentes vivos mais primitivos.

O fato é que chegamos a essa posição através dos mesmos processos evolutivos que atuam nos seres vivos. No entanto possuímos o que não foi ainda encontrado em nenhum outro animal: a evolução cultural que fornece uma retroalimentação positiva constante. A capacidade de pensamento conceitual, a comunicação por linguagem simbólica, e principalmente a capacidade de manipular o ambiente em que vivemos estão dentro dos conceitos de cultura, sendo ela um diferencial entre nós e outros animais. Cultura é o que nos diferencia em um conjunto de muitas semelhanças com os outros animais.
Mas, será mesmo que sempre estamos conscientes de que fazemos parte do mundo animal? O que lhe passa na cabeça quando avista uma placa dizendo que é proibido animais naquele estabelecimento?


Referências:
Fischer J (2010) Why We Conform. PLoS Biol 8(2): e1000277. doi:10.1371/journal.pbio

Warneken F, Hare B, Melis AP, Hanus D, Tomasello M (2007) Spontaneous altruism by chimpanzees and young children. PLoS Biol 5(7): e184.

Kappeler PM, van Schaik CP (2006) Cooperation in primates and humans:
Mechanisms and evolution. Berlin, Heidelberg: Springer-Verlag

5 comentários:

  1. Não sou muito fã do estudo de humanos e não entendo bem o porquê de nos diferenciarmos dos outros animais. Somos apenas diferentes em alguns aspectos. Não concordei quando vc disse, ou os autores, que os chimpanzés são nossos parentes mais primitivos, eles são tão evoluidos quanto nós, pelo conceito de evolução.

    O que vc acham?

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  2. AHAHAHA... é mesmo, quando vir uma placa dessas, da próxima vez, vou me manter longe. Vai que foi algum biólogo que botou ela, lá.

    Maísa, meu lado cientista também fica pasmo de ver a necessidade de comparação entre nós e os outros animais. Mas acho que essa é a versão dos biólogos para uma busca que independe da área de formação, que é a busca por nossa identidade, por aquele conjunto de características que nos define e que, muitos acreditam, vão responder nossos eternos "porquês". Biologicamente, somos realmente apenas mais um grupo especializado (como todos o são) em alguma coisa. Temos infinitos outros exemplos de seres vivos com características únicas e, o que acaba tornando as nossas mais únicas que as outras, simplesmente é que as nossas são nossas.

    Eu concordo com a Maísa quanto à colocação: "Nas últimas duas décadas, Tomasello e seus colaboradores desenvolveram pesquisas que identificaram os processos cognitivos e culturais que distinguem o Homem dos outros animais através da comparação com seus parentes vivos mais primitivos, os chimpanzés" (grifo meu). Onde está "primitivos" não seria "mais próximos"?

    Finalizando o comentário com uma citação famosa da qual me lembrei:

    "Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que os outros" - George Orwell, A Revolução dos Bichos.

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  3. É sempre importante lembrar que o primeiro poeta bíblico descreveu a criação humana como sendo feita do mesmo material que os demais seres,"o pó da terra", ou que o Adam veio da Adama (barro primordial - Gn2.7). E nos apocalipses de Isaias e outras passagens bíblicas os humanos e demais espécies se encontrarão reconciliados, amistosos - O lobo andará com o cordeiro, a criança brincará com a cobra e os leões, e assim por diante. Tolkien e C.S.Lewis bem aplicaram isto na literatura. Cada espécie é necessária, inteligente segundo sua natureza e objetivos. Ainda bem que a consciência coletiva avança no sentido de impedir a crueldade contra os demais animais. Ageu

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  4. Maisa o Abi não escreveu 'mais primitivos' e sim 'menos derivados',um termo que pra mim não é errado. O problema é que aqui não coube a expressão 'menos derivado' pois ambos são grupos irmãos e portanto se ramificaram juntos sendo impossível calcular quem se derivou mais...

    Acho que essas pesquisas são legais pra principalmente duas coisas: estudar a 'evolução cultural' que concordo com Dawkins que essa esteja atuando na espécie humana e é importante considerá-la e pra por na nossa cabeça que somos animais também.
    (traumatizei uma minininha da 5 série em uma oficina ao dizer que éramos animais, ela ficou meio assustada mas levou na boa, eu acho... até o Gustavo sabe disso)

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  5. Aquele japonês Fujiseiláoque, do livro Biologia Evolutiva, que traz um capítulo só sobre Evolução da Espécie Humana, afirma que a diferença entre o genoma humano e do gênero Pan (chipanzés) é da ordem de 2% apenas. Acontece que os novos estudos em Evolução ainda não são totalmente esclarecidos, e por isso não totalmente divulgados e ensinados eu acho. Ainda prevalece aquela idéia pré-histórica, medieval, sei lá, de que "a natureza existe para servir ao homem". Balela do passado, mas que ainda determina muita coisa. Por isso consideraram o macaco primitivo e talvez isso passasse despercebido, não fosse a atenção da Maísa.

    Ester, para de assustar as criancinhas!

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