segunda-feira, 24 de maio de 2010

Senso comum e conhecimento científico.

Do senso comum ao conhecimento científico vai uma distância considerável, apesar de que, ao longo dos tempos se verifique uma aproximação.
O primeiro baseia-se nos sentidos, crenças, tradições, acredita no que vê ou sente, é fruto das experiências do cotidiano ou naquilo que se tornou evidente através da evolução da ciência. Esta por sua vez procura através do raciocínio objetivo, assente na faculdade racional do ser humano e em métodos experimentais, a comprovação daquilo que os sentidos nos mostram.

Principais características do senso comum:
  • Caráter empírico - o senso comum é um saber que deriva diretamente da experiência cotidiana, não necessitando, por isso de uma elaboração racional dos dados recolhidos através dessa experiência.
  • Caráter acrítico - não necessitando de uma elaboração racional, o senso comum não procede a uma crítica dos seus elementos, é um conhecimento passivo, em que o indivíduo não se interroga sobre os dados da experiência, nem se preocupa com a possibilidade de existirem erros no seu conhecimento da realidade.
  • Caráter assistemático - o senso comum não é estruturado racionalmente, tanto ao nível da sua aquisição, como ao nível da sua construção, não existe um plano ou projeto racional que lhe dê coerência.
  • Caráter ametódico - o senso comum não tem método, ou seja, é um saber que não segue nenhum conjunto de regras formais. Os indivíduos adquirem-no sem esforço e sem estudo.
  • Caráter aparente ou ilusório - como não há preocupação de procurar erros, o senso comum é um conhecimento que se contenta com as aparências, formado por isso, uma representação ilusória, deturpada e falsa, da realidade.
  • Caráter coletivo - o senso comum é um saber partilhado pelos membros de uma comunidade, permitindo que os indivíduos possam cooperar nas terefas essencias à vida social.
  • Caráter subjetivo - o senso comum é subjetivo, por que não é objetivo: cada indivíduo vê o mundo á sua maneira, formando as suas opiniões, sem a preocupação de testá-las ou de fundamentá-las num exame isento e crítico da realidade.
  • Caráter superficial- o senso comum não aprofunda o seu conhecimento da realidade, fica-se pela superfície, não procurando descobrir as causas dos acontecimentos, ou seja, a sua razão de ser que, por sua vez, permitiria explicá-los racionalmente.
  • Caráter particular - o senso comum não é saber universal, uma vez que se fica pela aquisição de informações muito incompletas sobre a realidade (por isso também se diz que ele é fragmentado), não podendo, assim, fazer generalizações fundamentadas.
  • Caráter prático e utilitário - o senso comum nasce da prática cotidiana e está totalmente orientado para o desempenho das tarefas da vida cotidiana, por isso as informações que o compõem são o mais simples e diretas possível.
Principais características do conhecimento científico:
  • O conhecimento científico baseia-se na evidencia verificável. Isto significa que os seus resultados e conclusões podem ser sempre verificados ou confirmados por outras pessoas. Todas as conclusões devem permanecer abertas, pois no futuro podem aparecer justificativas mais razoáveis. Além disso a ciência nunca é detentora de verdades absolutas.
  • A ciência é eticamente neutra, mas o cientista, por ser um indivíduo, não o é, cada um de nós tem um sistema de valores que influencia a sua vida em sociedade. Desta forma, quando se produz energia nuclear, em paz é para produzir eletricidade, mas em guerra pode ser para produzir mísseis.
  • O conhecimento científico tem por base técnicas específicas para recolher dados, que garantem: exatidão (dados que correspondem aos fatos), e a precisão (dados que refletem bem a medida, o grau desses fatos observados), assim a investigação científica baseia-se numa recolha sistemática dos dados, que devem logo ser registrados, e tudo deve ser feito com objetividade, não devendo ser influenciados por preferências, crenças, desejos e valores.
O senso comum e a ciência.
O senso comum é um saber que se adquire através da vida que se leva em sociedade, por isso, é um saber informal adquirido de forma espontânea através do contato com o próxino, com situações e objetos que rodeiam o indivíduo.

Apesar de suas limitações, o senso comum é fundamental, sem o qual os membros integrantes da sociedade não conseguiriam orientar-se na sua vida cotidiana.

É um saber muito simples, superficial e informal, que não se exige grandes esforços nem bases consistentes que atestam a sua veracidade ou proveniência, ao contrário das ciências, que assentam em conhecimentos formais porque requerem um longo processo de aprendizagem/conhecimento.

A idéia de que todo cientista é uma pessoa de inteligência incontestável é amplamente divulgada pela mídia e essa divulgação não é gratuíta. Com essa imagem de "ser superior" o cientista torna-se um formador de opinião, induzindo o pensamento das camadas populares e vendendo produtos nos comerciais de televisão. Só que a realidade passa longe disso.

Um indivíduo é considerado cientista quando se especializa em um determinado assunto e essa especialização parte de um conhecimento prévio do indivíduo. Em outras palavras, todo indivíduo dotado de um conhecimento prévio comum a todos pode buscar uma especialização. Mas o que é esse conhecimento prévio? É o que se costuma chamar de senso comum.

O senso comum e a ciência partem do mesmo princípio: a necessidade do homem de compreender o mundo e a si mesmo. O ser humano, por milhares de anos, viveu numa sociedade em que não havia ciência e mesmo assim deu continuidade ao processo de evolução. É preciso compreender que sendo a ciência um refinamento do senso comum, devemos então respeitá-lo e não desprezá-lo, já que esse serve de ponto de partida para aquela ou seja a ciência.

Ciência e Educação, vol. 15 nº 3, 2009.
Docio,L; Razera, J. C. C.; Pinheiro, U. S.




4 comentários:

  1. A diferenciação entre senso comum e conhecimento científico por meio da comparação das suas características é muito interessante para refletirmos sobre as nossas maneiras de aprender a respeito do mundo que nos cerca. Acho que a figura dos 3 macacos utilizada (apesar de eu desconfiar muito da intenção original do autor, Gary Varvel, dado seu perfil conservador) acaba ilustrando bem uma das diferenças entre as duas formas conhecimento: enquanto o senso comum representa o que há de mais intuitivo e pessoal nas nossas representações de mundo, o método científico exige o máximo distanciamento possível das experiências subjetivas, para que elas não interfiram na análise do está sendo estudado. Ao passo que é muito natural darmos, na nossa condição humana, significados humanos ao que observamos (como uma inteligência produzindo e/ou modificando a vida), num primeiro momento, um segundo momento científico deve fechar os olhos (e boca, e ouvidos ...) para estas impressões intuitivas e tentar ligar os fatos entre si simplesmente por suas propriedades mensuráveis, que é o que Darwin fez e, desde então, o levantamento de novos fatos tem ratificado.

    (Ainda sobre a figura, tenho minhas dúvidas quanto à sua forma original. Verifiquei que o blog de onde ela provavelmente foi retirada possui, armazenada, uma outra cópia desta figura, sem as sílabas DAR-WIN-ISM impressas nas roupas dos macaquinhos, o que levanta a hipótese da imagem original também não possuí-las. Infelizmente não consegui achar essa figura no blog oficial do autor, para confirmar isto.)

    Mas esta dicotomia entre senso comum e pensamento científico, nas suas características descritas, me fez sentir falta de uma terceira forma de pensar e conhecer, talvez intermediária, ou talvez que abranja todas elas. Esta seria uma forma de pensar que não é escravizada ao cotidiano, às suas utilidades práticas imediatadas e nem adquirida passivamente, como é colocado para o senso comum; ao mesmo tempo, ela não necessariamente segue os rigores da metodologia científica moderna, não necessitando ser auto-corretiva e podendo, inclusive, exercer influência moral direta na comunidade. Seria uma forma de pensar que explora a curiosidade e organização inerentes ao ser humano, a qual permite a ele desenvolver novas perspectivas e ferramentas para sua experiência com o mundo, ainda que não seja por meio de um empreendimento com este objetivo definido, como acontece com a ciência moderna. Segundo Lévi-Strauss, em seu livro Pensamento Selvagem, esta foi a forma predominante de pensamento durante a maior parte da nossa história, e ainda é em algumas culturas tradicionais, ao redor do mundo.

    ResponderExcluir
  2. Tive uma pequena dor no coração ao ler sobre o 'caráter ilusório' do senso comum. Quantas vezes já não me questionei se a ciência (sendo fruto da mente humana e portanto passível de erros) estaria nos dando informações 'deturpadas e falsas'... Questionei-me isso principalmente quando estudava estatística... Assim não é só o senso comum que enfrenta esse probleminha.

    Acho que temos que aceitar que o método científico, mesmo sendo ele o melhor e mais neutro método (pelo menos para nós que o utilizamos) que nossa pobre mente conseguiu criar para tentar se aproximar das leis da realidade natural, ele é passível de erro e nos mostra modelos com interferência da nossa visão de mundo. E que mal há nisso?

    surpreendo-me com a capacidade humana de criar modelos que tentem nos tirar de nossa caverna de ilusões e nos por mais perto da verdade das leis naturais. E surpreende-me ainda mais nossa capacidade de reconhecermos seus erros e limitações e trabalharmos arduamente para contorná-los e melhorar nossos modelos cada vez mais. Tem coisa mais linda que a matemática? (Não pensem em Biologia pois senão minha frase não terá o impacto que planejei dar a ela...) A matemática é um modelo humano, oriundo da nossa mente e possuindo interferência da nossa visão de mundo, entretanto parece estar muito próximo à realidade natural...

    Fiquei refletindo sobre o fragmento: "Todas as conclusões devem permanecer abertas, pois no futuro podem aparecer justificativas mais razoáveis. Além disso a ciência nunca é detentora de verdades absolutas." Tal frase nos soa como óbvia... É óbvio que a ciência não é detentora de verdades absolutas...É óbvio que no futuro podem e vão aparecer justificativas mais razoáveis...É óbvio que as conclusões devem permanecer abertas... Mas será que na prática agimos assim?

    Na prática, os cientistas se esquecem desse caráter de mudança da ciência e insistem em termos e conceitos por pura tradição e conservadorismo. Por que não abandonamos a classificação lineliana, que já não nos serve mais (ouço protestos?), e criamos algo que reflita melhor a filogenia dos grupos do que reino, filo, classe, ordem e etc? "Porque é tradição Ester, porque é mais fácil de ensinar." (pra mim é mais difícil). Por que não padronizamos os nomes das espécies de fungo que possuem dois nomes científicos, um para a fase assexuada e outro (completamente diferente) para a fase sexuada se são ambos a mesma mesmíssima espécie? "Porque foi descrito assim e mantemos". Falei dessas porque são as mais recentes e que me lembrei no momento mas poderia ter inumerado várias outras.

    Se a ciência não é estática e sim mutável já passou da hora dos profissionais da ciência largarem mão do tradicionalismo científico. Quanto a idéia de que assim é mais didático acho que é uma completa bobagem ensinar pros nossos alunos algo que o pensamento humano já não considera como correto. Na falta de outro modelo pra ensinar ensine a falta de modelo ora bolas. Mostrando aos alunos que há buracos na ciência, e no caso aqui temos um, quem sabe não será um deles que nos proporá um modelo melhor no futuro? E como a Priscila diz: "A verdade. Sempre."

    ResponderExcluir
  3. Caros Estér, Érico e demais colegas.

    Muito bacana esse texto e melhor ainda a discussão! Percebo que os dois "sistemas de pensamento", o senso comum e o conhecimento científico possuem tanto erros quanto acertos.

    O conhecimento científico é reto, neutro, mensurável... Mas quantas foram as vezes que não tivemos que desconstruir tudo o que nos foi ensinado, como muito bem ilustrado pelo texto da Éster, com verdades científicas que de uma hora para outra se tornam mentiras que somos obrigados a engolir? Por outro lado, estou sempre descobrindo na ciência provas de que minha mãe e minha avó estavam certas sim com seus conselhos.

    Achei muito interessante o comentário do Érico, sobre a necessidade de se inventar uma nova forma de pensar. Uma forma intermediária, por que não? Será que é possível? Isso me lembrou de uma definição de dialética que li outro dia em algum lugar: Ponha duas pessoas conversando e uma terceira pessoa observando as duas que conversam. Peça uma opinião sobre esse assunto à terceira pessoa e a resposta dela será a diáletica, uma visão externa e neutra sobre um diálogo preestabelecido.

    Segundo Platão: "apenas através do diálogo o filósofo deve procurar atingir o verdadeiro conhecimento, partindo do mundo sensível e chegando ao mundo das idéias."

    Talvez o modelo de pensamento ideal seja esse baseado na dialética. Observação do senso comum mais conhecimento científico e mais um conhecimento próprio, nascido a partir da fusão dos dois tipos anteriores de visões de mundo.

    Waldir

    ResponderExcluir
  4. O que te a ver O MITO DO CIENTIFICISMO COM A APLICAÇÃO DA ENERGIA NUCLEAR, EM CHERNOBIL, EM 1986?

    ResponderExcluir