segunda-feira, 26 de abril de 2010

Caixa, Conto e Ciências

"Um Conto, uma Caixa e a Paleontologia: uma maneira lúdica de ensinar Ciências a alunos com Deficiência Auditiva" é um trabalho feito por pesquisadores que se preocuparam com a relação do ensino de ciências para deficientes auditivos.

O Deficiente Auditivo é aquele que apresenta perda total ou parcial da capacidade de compreender a fala por meio da audição. Essa deficiência pode ser congênita (ocorre durante a gestação ou no parto) ou adquirida. A deficiência auditiva pode se manifestar como:
1-Leve ou Moderada: Apresenta maior capacidade de compreender alguns termos e até mesmo frases gramaticais complexas e podem adquirir a linguagem oral; 2-Severa ou Profunda: perda auditiva que impede o indivíduo de entender, com ou sem aparelho auditivo, a voz humana, bem como de adquirir o código da língua oral.

Em todas as correntes de ensino é enfatizado a importância de que as crianças com deficiência auditiva sejam precocemente diagnosticadas e inseridas em processos de educação para que possam desenvolver melhor o domínio linguístico e a capacidade de se expressar.

O ensino a este estudante acontece em classes especiais (geralmente instituições particulares), onde todos os alunos apresentam o mesmo grau de deficiência. Ou em instituições públicas, onde as turmas são mistas, visando a inclusão do aluno na sociedade. Historicamente, a educação do Deficiente Auditivo voltou-se mais ao desenvolvimento da comunicação do que à transmissão de conhecimentos e quando ocorre o ensino de Ciências é preferencialmente através da linguagem de sinais (LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais) associado à comunicação na língua brasileira (oral e leitura de textos).

Apesar de possuírem a capacidade de ler, os estudantes com deficiência auditiva acabam apresentando uma certa resistência à utilização de textos escritos, pelo fato de estarem menos acostumados a utilizarem o vocabulário da língua portuguesa no seu cotiano, o que dificulta a interpretação e compreensão de textos escritos. O ensino também se limita pela rara existência de materiais pedagógicos adaptados, tais como livros didáticos, materiais digitais e vídeos traduzidos para a LIBRAS.

Mário Dantas e Fernanda Mello desenvolveram um trabalho lúdico para transmitir e construir o conhecimento em ciências através de um conto. A estória  foi produzida e testada em uma escola para deficientes auditivos em Alagoas com alunos da terceira série (idade entre 14 a 20 anos) do Ensino fundamental. O conto versou conhecimentos básicos em paleontologia, sendo utilizados os fósseis locais encontrados na região em que a escola pertencia (Sergipe) e utilizou como recurso a caixa de contos, onde todos os personagens e ambientes ficaram guardados, sendo mostrados no decorrer da história. Nesse, os personagens (bonecos "Lego" e feitos de pano) eram um grupo de crianças ouvintes, uma garotinha chamada Ema (instrumento de identificação entre os alunos) e uma paleontóloga chamada Léa (responsável por passar as informações sobre Paleontologia).

A história começa quando Léa visita a escola em que Ema estuda. Eles são levados a um museu onde aprendem sobre fósseis com a exposição juntamente com as informações passadas por Léa. Então, no decorrer da aula no museu Ema começa a se imaginar encontrando estes animais na época em que eles existiam. O conto termina com Ema e seus colegas sendo convidados a relatarem sobre a visita ao museu e foi ministrado em metodologia bilíngue (LIBRAS e Português) a alunos da terceira série do fundamental. Dessa forma, os alunos aprenderam também conhecimentos de leitura e escrita na língua portuguesa.

No final, foi pedido aos alunos para que explicassem o que haviam compreendido, com o intuito de avaliar o aprendizado através do conto. Os resultados foram satisfatórios, pois observou-se que os conceitos de Paleontologia foram absorvidos. Os conhecimentos adquiridos são importantes por contribuir na geração e disseminação de conhecimento científicos. Estes são cruciais para entender os processos naturais e o ambiente que o indivíduo está inserido. Neste sentido, a Paleontologia, como ciência baseada na Biologia e Geologia, é indispensável, pois conscientiza sobre a importância de preservar e valorizar a vida, em suas variadas formas, além de permitir uma melhor compreensão acerca do surgimento e evolução da vida na Terra.

A forma lúdica se mostrou eficiente na transmissão e construção desse conhecimento necessário. Em um dos relatos um estudante explicou como ele pensava ser o dia de trabalho de um paleontólogo. A principal dificuldade deles foi a apropriação de palavras novas, tais como toxodonte, monossauro... por não fazerem parte do vocabulário deles. Além da importância do conhecimento científico, os resultados da pesquisa são extensíveis a qualquer tipo de estudante. O aprendizado através de metologias lúdicas é um meio eficiente de transmissão de conhecimento. Os autores chamam a atenção também sobra a importância da comunicação em LIBRAS:

"Em um mundo cada vez mais globalizado, a todo momento é reforçado na mídia a necessidade de se aprender novas línguas (e.g. Inglês, Espanhol), para que deste modo haja um maior intercâmbio de informações entre as culturas de diversos povos. Seguindo essa linha de raciocínio, deve-se considerar a língua de sinais como uma língua tão importante quanto às demais, pois seu aprendizado e prática ajudaria a quebrar pré-conceitos, e trazer para junto da sociedade uma classe que por anos foi marginalizada por ser diferente. A língua de sinais é uma língua natural, e própria dos deficientes auditivos, a sua utilização não os torna seres inferiores."

Referências:

- Mário André Trindade Dantas & Fernanda Torello de Mello. Um Conto, uma Caixa e a Paleontologia: uma maneira lúdica de ensinar Ciências a alunos com Deficiência Auditiva. Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias, pag. 51-57. 01.2009

- portal.mec.gov.br

3 comentários:

  1. Eu terei alunos com deficiência auditiva, visual e outras características que me obrigarão a repensar as formas usuais de comunicação, isto é quase um fato inelutável. Quando penso nisso, não deixo de sentir uma certa inquietação. Boa parte dela, entretanto, penso ser devido ao fato de, condicionadamente, imaginar a sala de aula no padrão de organização convencional, em que assisti a praticamente todas as aulas da minha vida - "assisti a" e não "participei de". Se eu, professor, estou lá na frente falando sozinho para todos, como é possível estabelecer um método de comunicação que satisfará a todos? Será que todos os alunos terão de aprender libras? E se o deficiente for visual, qual será a linguagem? E se houver algum aluno sem deficiências deste tipo mas que esteja a muitos desvios-padrão de distância da média de alunos que conseguem compreender os meus métodos?

    Mas aí então aparecem trabalhos, como este, que repensam a maneira de se organizar a construção do conhecimento. A responsabilidade de comunicar qualquer coisa que seja não precisa, e não deve, ficar concentrada no professor. Os meios fornecidos de acesso ao conhecimento devem ser múltiplos, para que os próprios alunos desenvolvam métodos de interagir com eles, de acordo com suas necessidades e preferências. A avaliação, por sua vez, não deve se limitar a um conjunto de tipos de conhecimento específico, pois este será diferente para cada aluno.

    Fico então mais tranquilo quando, por fim, percebo que a educação não precisa ser apenas uma caixinha fechada, ela pode ser aberta para que seu conteúdo se liberte e se misture com o mundo exterior.

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  2. Achei muito interessante que além de maneira alternativa de ensinar ciencia integrando os alunos com deficiencia, o metodo tambem teve o cuidado de buscar elementos locais dos alunos:os fosseis utilizados foram encontrados na região na qual a escola pertencia.
    Isso torna o conhecimento bem mais palpável e intendível.

    Lívia Mara

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  3. Olá pessoal, fico feliz em ver que gostaram do artigo, só queria fazer uma correção a pesquisa foi realizada em Aracaju, Sergipe! um abraço, Mário Dantas

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