sexta-feira, 9 de abril de 2010

Diversidade genética


Por que alguns indivíduos são mais resistentes a infecções que outros? Ou por que alguns parasitos têm mais sucesso na infecção de hospedeiros? Essas são perguntas que tem uma mesma resposta, ou seja, porque tanto parasitas, hospedeiros, como qualquer ser vivo, apresenta diferenças, mesmo que sutis, no seu código genético (com exceção dos genes idênticos) e na expressão deste código para a formação e funcionamento do organismo.

Para entendermos melhor a importância da diversidade genética dos indivíduos ao longo do tempo, como isso ocorre e o que pode determinar, vamos organizar nossa reflexão sobre uma interação denominada parasitismo, e analisar um exemplo em especial, a infecção de seres humanos pelo vírus HIV, causador de uma doença muito comum, a AIDS (Síndrome da Imunidade Adquirida).

Esta relação de parasitismo só é benéfica para o vírus, cujo qual não se reproduz sem a utilização das “ferramentas” (organelas e moléculas) das células hospedeiras. As células infectadas pelo HIV nos seres humanos são os linfócitos T do tipo CD4+. Elas estão presentes no sangue e linfa, e realizam função importante na defesa do organismo. Este vírus parece ser bastante “esperto”, afinal, ele ataca justamente as células que ajudam na sua destruição! Sendo, talvez, por isso tão difícil encontrar a cura para a AIDS. Entretanto não é isso que impossibilita a descoberta de cura para esta doença. Os vírus em geral, e especialmente o HIV, possuem uma taxa de mutação muito alta comparada com nós, seres humanos, isso é causado por elevadas taxas de reprodução em curtos intervalos de tempo. Essas mutações ou alterações em alguns ou único nucleotídeo (unidades formadoras do DNA e RNA) são muitas das vezes, essenciais para a sobrevivência e adaptação dos organismos as condições ambientais que estão submetidos.

O HIV é um retrovírus que apresenta material genético do tipo RNA, além disso, ele é constituído de uma cápsula proteica e outras glicoproteínas que o ajudam a entrar, se fixar ao DNA celular e se replicar nas células hospedeiras, ou linfócitos T. Nessa camada proteica externa se encontram ligantes ou “chaves” que se encaixam em outras moleculas das membranas de linfócitos T, que poderíamos chamar de “fechaduras”. A ligação entre essas moléculas determina a entrada ou não do HIV na célula. Se eles conseguirem entrar, o próximo passo é transformar seu RNA em DNA para se ligar ao DNA do linfócito T. Para isso ele carrega consigo uma proteína chamada transcriptase reversa. Após a transcrição para DNA viral haverá integração deste DNA formado à célula hospedeira. Em seguida a utilização das ferramentas (moléculas e organelas) destas células são essenciais para produção de novos RNA s virais e proteínas que se integram para formar os novos vírus (ver abaixo vídeo demonstrativo para esse mecanismo de infecção do HIV ao linfócito T CD4).


Fig. 1. Desenho ilustrativo de um HIV, mostrando as estruturas que o constituem.

Como vimos anteriormente o contato entre o vírus e o linfócito T se dá através de glicoproteínas externas presentes em cada um. O vírus somente se reproduzirá se possuir as “chaves” especificas para entrar nas células, enquanto o hospedeiro só terá chances de não ser infectado e assim não sofrer destruição de suas células, se possuir “fechaduras” diferentes que não permitam a entrada do vírus.

O mecanismo de evolução mais importante observado nas espécies vivas é o da seleção natural. A sobrevivência e perpetuação das características, de um individuo, que apresentam maior sucesso adaptativo as condições ambientais são selecionados e transmitidos ao longo das gerações através do tempo.

Pensando evolutivamente, tanto vírus quanto hospedeiros são continuadamente selecionados. Vírus que apresentem características eficazes para infectar células, persistem e se reproduzem, e aqueles que no seu genoma não apresentam tais características, se tornam inativos e podem até desaparecer. O mesmo se dá para hospedeiros, aqueles que apresentam células com características de bloqueio para a entrada ou a reprodução de vírus têm maiores chances de sobrevivência. Essa relação entre estes indivíduos é um tipo de pressão seletiva ou evolutiva, o que possibilita constantes mudanças em seus determinantes genéticos.

Antigamente, os estudos para descobrir a cura para a AIDS se concentravam nas proteínas da cápsula que envolve os vírus, mas devido sua alta taxa de variabilidade genética e diferenças nessas proteínas, hoje estas pesquisas se concentram em genes de indivíduos ou hospedeiros que são resistentes à infecção ou a progressão desta doença. Essas variações, que ocorrem em menor grau, no genoma do hospedeiro, em especial nos linfócitos T que produzirão essas moléculas com potencial de inibir a replicação do vírus, é um avanço muito importante para, por exemplo, usar técnicas de terapia gênica como alternativa de tratamento sem o uso de drogas, que em sua maioria produz vários efeitos colaterais, para AIDS. Essa terapia consiste em retirar as células com potencial de replicação e diferenciação (células-tronco) do individuo e implantar nelas genes com características de resistência ao vírus. Contudo, análises e monitoramento genético dos vírus também são importantes para a eficácia de tratamentos por uma combinação de drogas capazes de inibir diferentes etapas da replicação viral, afinal qualquer mutação viral pode se transformar em uma nova ameaça, driblando assim aquelas vias as quais eles eram bloqueados.

Portanto é através desta ampla variabilidade genética que cada um de nós carrega no DNA de nossas células, que permite, por exemplo, hoje eu estar aqui escrevendo este texto, ou à nossa espécie não estar extinta por grandes epidemias, como a AIDS.








Bibliografia

Host genes associated with HIV/AIDS: advances in gene discovery. Ping An e Cheryl A. Winkler. Revista Trends in Genetics, Vol. 26, nº 03, 2010.

5 comentários:

  1. O texto abrangeu Genética, Parasitologia, Imunologia, Evolução em um assunto do interesse de todos, a AIDS. Muito importante!

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  2. Lendo o texto me lembrei de uma questão interessante que envolve a relação entre parasitos e hospedeiros: o equilíbrio (ou não) entre facilidade de transmissão do parasito entre os hospedeiros e a agressividade do parasito, assim como as implicações evolutivas disto.

    Os hospedeiros sempre "trocam" parasitos por meios específicos, que variam para cada caso: ar, secreções, ferimentos, água, alimento, contato sexual, glicoproteínas, etc. Dentre estes, há meios que permitem uma disseminação mais freqüente que outros; por exemplo, populações de mamíferos cujos indivíduos vivem aglomerados irão compartilhar o mesmo ar, permitindo que parasitos que sobrevivem no ar "viajem" de um hospedeiro ao outro com mais facilidade que um outro parasito que só consiga ser transmitido pelo contato sexual.

    Quando um hospedeiro morre, os parasitos que estão com ele morrem, também, a não ser que tenham conseguido ou consigam logo em seguida encontrar um novo hospedeiro. Os parasitos têm que ter sua agressividade controlada, portanto, de acordo com a facilidade que eles têm de alcançar outro hospedeiro. Se forem agressivos demais, morrerão junto com o hospedeiro e sua espécie pode terminar ali. Uma propriedade interessante, no entanto, é que se o parasito consegue se espalhar pela população do hospedeiro com facilidade, ele "pode" ser mais agressivo.

    O vírus da AIDS, parasito de humanos, como citado no texto, é fatal para o hospedeiro (nós). Como sua principal forma de transmissão é por meio das relações sexuais entre seus hospedeiros, ele tem que "dosar" sua agressividade de acordo com essa limitação: sua ação no organismo hospedeiro deve permitir que o hospedeiro continue sendo capaz de manter relações sexuais, e por algum tempo, para permitir que uma quantidade suficiente de vírus seja transmitido para outro(s) humano(s). Por isto é que pessoas contaminadas com o HIV podem viver alguns anos.

    Já o protozoário que causa a malária pode matar seu hospedeiro humano em alguns dias. Mas, de certa forma, ele "pode" fazer isso, pois ele é transmitido por meio de um mosquito, Anopheles, quando este se alimenta de sangue humano, nas regiões do planeta onde este mosquito é bastante comum. Este protozoário consegue, portanto, enviar quantidade suficiente de sua população para outros humanos "via mosquito" antes do hospedeiro morrer.

    Este controle de agressividade, no entanto, não é feito ali, na hora, pelo parasito. Como a Lívia citou no texto, ocorre um ajuste evolutivo entre hospedeiros e parasitos no decorrer das gerações. Parasitos muito agressivos simplesmente morrem com seus hospedeiros sem conseguirem se reproduzir, e são eliminados. Aqueles que dão pelo menos tempo suficiente de vida ao hospedeiro para que ele transmita o parasito para outro, sobrevivem. Hospedeiros também podem desenvolver resistências a parasitos agressivos, beneficiando, de certa forma, a ambos.

    Acabam sobrando, então, relações mais ou menos estáveis entre parasitos e hospedeiros, pois as relações instáveis acabam matando ambos.

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  3. Gostei muito do texto! Lembrei do livro "Gaia, A Cura Para Um Planeta Doente", onde James Lovelock chama a atenção para a falta de consciencia ambiental por parte da população mundial. Ele afima que os humanos são parasitos do planeta ao usar os recursos ambientais de forma inconsciente e indiscriminada. A solução para este problema é sairmos dessa interação onde só um é beneficiado e evoluirmos para um benefício mútuo. A transição de Parasitos para Mutualistas é um importante passo para desacelerar o aquecimento global e solucionar os problemas ambientais.

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  4. Líviaaaaaaaaaa... adorei o seu texto!!! Realmente, como disse a Rafa, você conseguiu abranger muitas áreas para explicar um asssunto que é do interesse de todos na atualidade: a AIDS. Também gostei da linguagem utilizada por você em seu texto interdisciplinar... muito interessante!!!

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  5. Muito interessante! Gostei muito de vc ter citado a forma como as pesquisas nessa área vem se desenvolvendo. Aposto que a maioria das pessoas não sabia, inclusive eu. Agora fiquei curiosa para entender o que é realmente uma terapia gênica, como ela funciona e como se usa os genes para esse fim. Muito legal. Parabéns!!!

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