sábado, 17 de abril de 2010

Pra que você usa a Internet? (Parte I)

Há não muito mais de 10 anos, quando o acesso à Internet (...lentamente...) começava a chegar às casas dos mais afortunados e os telefones celulares (muito maiores à época do que o nome parece sugerir) eram uma realidade cara e possível apenas nos grandes centros urbanos, era difícil imaginar o quanto os serviços envolvendo estas tecnologias iriam se desenvolver em tão poucos anos. O que hoje é trivial – comunidades gigantescas como Orkut, serviços de comunicação instantânea como MSN e Skype (com direito a som e vídeo!), recebimento de músicas, notícias e atualizações de sites via celular, jogos online envolvendo milhares de jogadores simultâneos, acesso a boa parte dos recursos da Internet por meio de smartphones, etc. – era pouco mais que algumas previsões ousadas de alguns especialistas em tecnologias de comunicação.

Tudo isto aconteceu muito rápido, deixando pouco tempo para as pessoas se adaptarem – ou, pelo que parece, a maioria delas. Esta sensação de mudança brusca não foi sentida, no entanto, por aqueles mais jovens que já cresceram no meio desta tecnologia. Estes não tiveram de aprender uma nova linguagem para a troca de informações – ela é sua linguagem natural. Marc Prensky, renomado consultor em educação e ensino, já em 2001, criou uma designação para estas pessoas, “nativos digitais”. A preocupação deste especialista na criação de jogos educativos é demonstrar, segundo suas próprias palavras, que “nossos estudantes mudaram radicalmente. Os estudantes de hoje não são mais as pessoas para as quais nosso sistema de ensino foi desenvolvido”. E, realmente, estes novos meios de comunicação fornecem possibilidades de interação com as informações e outras pessoas de forma quase aleatória, permitindo ao usuário total liberdade de escolha sobre o que, quando e como ele vai acessar. A escola, ao contrário, continua presa ao modelo antigo, onde seria o sistema escolar quem deteria todo o conhecimento e, sobretudo, a ordem e maneira como este conhecimento deveria ser transmitido. Pior – neste modelo ultrapassado, a opinião e necessidades individuais de cada aluno não contam e, desta forma, não são levados em consideração para se definir o conteúdo e a metodologia de aprendizagem.

Ora, vemos aqui duas realidades completamente diferentes que os estudantes encaram diariamente: fora da escola ele tem acesso à telefonia móvel, à Internet e mesmo à já velhinha televisão que, unidas, fornecem meios de acesso ao mundo extremamente dinâmicos, sonoros, coloridos e especialmente, interativos, permitindo ao usuário escolher o que ele quer ver e fazer; no outro lado, uma escola chata, com cadeiras desconfortáveis, um conteúdo estático e desinteressante, um quadro monocromático, professores mal pagos e insatisfeitos e a terrível obrigação do aluno de, na maior parte do tempo, se conformar apenas com o que a escola acha que ele deve aprender, além de cobrar a reprodução deste “aprendizado” o tempo todo. As consequências são óbvias e assistidas por todos, sempre: alunos também insatisfeitos, escolas sem saber o que fazer para “discipliná-los”, notas baixas e, o mais paradoxal dentro de um sistema de ensino, NINGUÉM APRENDE NADA. O que fazer, então? Acabar com a escola, já que os jovens teriam condição de, sozinhos, construir o próprio conhecimento da forma como achassem mais confortável e eficiente? Infelizmente não é tão simples assim.

Esta geração de nativos digitais não está sozinha. Há um mundo lá fora, não tão antigo quanto o mundo maravilhoso que estudam as ciências naturais, mas que também já existia bem antes deles chegarem aqui; um mundo de regras sociais e econômicas, de conflitos e, especialmente, de competições. Como sempre acontece em toda a história humana, quem chega por último herda um sistema bem estabelecido, geralmente desigual em condições e oportunidades e, na maioria das vezes, inflexível. Neste tempo em que vivemos, entretanto, aparentemente as oportunidades de escolha são um pouco maiores. Isto acontece porque o conhecimento, hoje, tem um valor particularmente grande, ao passo que há alta disponibilidade de tecnologias permitindo a troca de informações. Quem conhece mais, portanto, também tem mais opções; consequentemente, é mais livre e, sem dúvida, esta geração dos nativos digitais faz bastante uso das tecnologias que permitem isto. Resta saber se o uso que é feito delas é o tipo de uso que garantirá a liberdade de escolha para estes jovens, neste mundo.

Na segunda parte deste texto veremos o que os estudos em pesquisa do ensino apontam sobre a eficácia do uso destas tecnologias no aprendizado (e como elas têm sido usadas para isto) e, especialmente, o que pesquisas feitas ao redor do mundo descobriram sobre o uso que os jovens têm feito dela, de forma independente. Enquanto isto, participe da nossa enquete (no início da página): para que você usa a Internet?

Até breve.

Bibliografia

Digital Natives, Digital Immigrants; de Marc Prensky. MCB University Press, Vol. 9 No. 5, 2001.

6 comentários:

  1. Nesse comentário, temo ser prolixa, mas peço que perdoem a incapacidade de síntese, já que não sou uma nativa digital - seres das sínteses e fui premiada pela medida objetiva das folhas de papel almaço...
    Sou uma professora, não sou velha, tenho 35anos. Sou alfabetizada digital, não nativa. E sofro o já aclamado stress digital. Sinto uma enorme cobrança pela produtividade, interatividade, pela volatilidade nas novas linguagens. Muitas vezes, querendo falar, tendo o que eu acho que deva ser falado, sou obstruida pela técnica, pelo tempo, pelo tamanho. Nesse blog mesmo, fiquei muito tempo ultrapassando barreiras técnicas pra poder participar. A energia dispendida nisso foi enorme! E feliz consegui postar um texto. Mas depois disso estou devedora. Preciso acessar todas aquelas informações que passaram por meus olhos, mas que, por obstinado pragmatismo, me proibi de acessar. onde estão todos aqueles textos que passaram por mim? O que mesmo eu quis ver no youtube e não pude? Está tudo lá: poesias, musicas, danças, filmes, conhecimento, animações, diversão, trabalho... e eu, ignorante, ou preguiçosa, não soube disso, não vi, lí, apreciei, conheci.
    O gargalo da conversão da escola em um espaço dentro desse novo contexto, de liberdade de forma e conteúdo, tem necessariamente que atropelar nosso modo (antigo) de conhecer que era de dar conta do todo, ler o livro de capa a capa, terminar uma tarefa, terminar o conteúdo. Fui educada para a finalização. Tenho que me converter em transito, fluir.
    Uma das coisas que quero ler são os autores da pós modernidade, pra encontrar modos de me liquefazer (Bauman), pra me conformar com uma escola sem forma, volátil, que exala conhecimento, e não mais molda, privilégio dos sólidos.

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  2. Muito legal... o meu proximo texto dara um exemplo de como utilizar a internet de forma a estimular os alunos a buscarem o conhecimento...

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  3. Diferente pensar que sou uma nativo-alfabetizada, pois somente a uns 4 anos que fui ter esse acesso à internet. E talvez pelo meu carater nativo, não tenha tido maiores difculdades em manipular, mesmo que de forma simplória, esta ferramenta. Estou realmente curiosa para saber o desfecho dessa pesquisa.
    Muito legal Érico.

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  4. Priscila, seu comentário me rendeu várias reflexões. Vou tentar uma maior concisão alterando a ordem em que elas foram aparecendo.

    Marc Prensky, no trabalho citado no texto, chama os não-nativos de "imigrantes digitais". Na minha opinião, como ela é uma classificação bastante baseada na idade - por sua vez relacionada com a época em que surgiram certas tecnologias - ela acaba se limitando ao próprio conceito de natividade e imigração. Só se nasce uma vez; só se imigra uma vez. Você, pela sua idade, se enquadraria na primeira "leva" de nativos digitais; no entanto, você enfrenta uma série de dificuldades. Eu tenho 28, e enfrento muitas dificuldades, também. Nossos colegas bolsistas do PIBID são em média mais novos que eu (nascidos no finalzinho da década de 80, "nativos" puros!) mas também apanham. A realidade é que novos meios de interação surgem a cada ano, e é sempre mais fácil integrar-se a eles quando não se tem uma bagagem - neste caso, um fardo - de outros meios para nos fazerem ter de reformular velhos paradigmas. E sabemos que pessoas mais jovens, independentemente da época e cultura, aprendem mais rápido que as mais velhas. O que quero dizer, enfim, é que os nativos digitais de ontem têm sido os imigrantes de hoje. Se esta tendência vai continuar no futuro, acho que depende de um monte de coisas; por exemplo, do quanto a metodologia de uso de cada tecnologia é independente das outras ou se estão todas ligadas por um mesmo novo paradigma geral que não mudará por muito tempo.

    Eu talvez me sinta um pouco mais "liquefeito" que você quanto ao ritmo de acesso a diferentes conteúdos, apesar de sofrer pressões muito semelhantes às que você colocou. Sempre defini minha vida até agora como sendo um "livro de capítulos inacabados", mas sinto que chegou a hora de eu revisar o que considero os motivos pra isso. Inicialmente aprendi que isso era um defeito; diversas vozes (externas e depois internas) diziam coisas como "você precisa acabar o que começou", "é necessário um OBJETIVO na vida", "sem total dedicação não se constrói nada", e por aí vai. Depois percebi que, apesar disso tudo ser verdade, era verdade sob uma determinada óptica, que poderia ser mudada. Comecei então a mudar a óptica em função destas minhas características, mantendo, entretanto, um olhar crítico. Nesta rota, achei uma infinidade de justificativas muito boas para a legitimação do meu comportamento, assim como alguns pontos negativos. Desconfio, aliás, que meu interesse pela Educação tem-se dado por este caminho. Agora, lendo o seu comentário, vejo que tenho que refletir um pouco mais sobre como a realidade em que está inserido o conceito dos nativos digitais pode ter relação com as causas mais fundamentais do meu modo de ser.

    Eu achei engraçado seu comentário inicial sobre o poder de síntese dos nativos digitais, porque eu vi que essa idéia faz sentido de dois modos antagônicos. Por um lado, parece mesmo que os nativos digitais são mais sucintos: os twitteres, MSN's e torpedos da vida são um sinal claro disto. Por outro, não estou muito seguro da quantidade de idéias contidas nestes meios. Ora, se alguém tem o poder de síntese, é porque consegue organizar um pequeno número de signos de forma a representarem com clareza algo para que usualmente se utilizariam muitos. Será mesmo que as mensagens trocadas por estes meios contém tanta informação, ou será que os motivos pra se trocar informações foram banalizados pela disponibilidade tecnológica?

    O modo como você expôs suas dificuldades não foi sucinto do modo como têm ocorrido a comunicação contemporânea, mas também não teve o formato quadrado, com início, meio e fim bem definidos, do qual você tenta fugir. Talvez a prolixidade, e não a síntese, seja a característica intrínseca do novo paradigma em comunicação; ela talvez apenas não seja observável no corpo de uma única mensagem. No final das contas, acho que você é uma imigrante muito bem adaptada.

    E a minha concisão foi pro beleléu ....

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  5. Rafa, aguardo com grandes expectativas seu texto!

    Maísa, como eu falei acima, esta classificação é um tanto genérica, e não leva em consideração diversos fatores. Na segunda parte deste texto, vamos ver que, pelo menos num contexto mundial, ela não pode ser baseada apenas na data de nascimento.

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  6. Acho um pouco delicada a questão da inserção de tecnologias no processo ensino-aprendizagem. É algo necessário, sim, mas delicado. Uma faca de dois gumes. Eu, por exemplo, acabei de vivenciar um lado negativo da utilização de tecnologia. Tinha escrito um post imenso e quando ia enviar - eis que a conexão havia caído. E eu perdi tudo! Sorte que baixou um ser paciente aqui em mim que resolveu fazer tudo de novo.


    Por mais que escutemos falar em inclusão digital, nativos digitais, internet, utilização de novas tecnologias, etc; o Brasil ainda está entre os países mais atrasados nesse quesito. Além disso, apesar de fornecer excelentes ferramentas para o desenvolvimento de pesquisas e até mesmo de interações interpessoais como sites de relacionamento e blogs o acesso às tecnológias gera ao meu ver mais uma segregação. De um lado aquelas pessoas, independentemente da idade, que se familiarizam e gostam da tecnologia e do outro aqueles que, seja por fatores socioeconômicos ou por pura falta de interesse, têm pavor internet por exemplo.
    No ano passado, no meu estágio, o professor pediu um trabalho que seria entregue pela turma sob a forma de um web site que eles mesmos construíriam. Observando o comportamento da turma diante do pedido do professor, notei que alguns se sentiram extremamente satisfeitos com o formato do trabalho exigido, enquanto outros se sentiram mal, disseram que não tinham acesso a computador, que não iriam entregar aquele trabalho. Ou seja: Ao mesmo tempo que as novas tecnologias podem despertar o interesse dos alunos, podem também minar o interesse. É a velha questão da contextualização. "Poxa se eu não tenho esses equipamentos, se não tenho acesso, se não sei mexer com isso, qual é a graça de trabalhar com isso?"

    Numa outra disciplina em que fiz aqui na universidade, enquanto apresentava o Portal didático da UFSJ, o professor fez o seguinte comentário: " Não tentem acessar o portal de velharias como 486 (um computador antiguinho!)!".... Poxa, eu preciso ter um equipamento de última geração pra aprender um conteúdo que sequer é diretamente relacionado com tecnologia?

    E como eu entendo o sentimento de "livro com vários capítulos inacabados!" Também sou educado para finalizar o que faço, mas confesso que nem sempre consigo isso. Diante de tanta informação, como trabalhar com tudo isso, obter um poder de síntese, sem entretanto ser superficial?

    E por último, acho que a linguagem rápida da juventude e dos meios de comunicação usuais hoje, não são exatamente um poder de síntese, mas talvez uma falta de conteúdos que tenham sido realmente significativo para seus interlocutores. A gente nota nessa turma de hoje, em muitos casos, uma transposição do linguajar digital, por assim dizer, para outras áreas da vida. Pessoas que não sabem mais que existe o acento gráfico til, acham que a grafia correta é naum. Por exemplo.

    Waldir

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